quarta-feira, 29 de abril de 2009

SIGMUND SZABÓ.

Qualquer pessoa que olhe os céus de Cambuquira nesses meses de outono e inverno poderá entender porque um velho dentista húngaro se apaixonou por este lugar.

Sigmund Szabó, talvez um fugitivo da Europa que não desejava mais aqueles que processavam a fé dos ensinamentos da Torá, trabalhou como dentista no Rio de Janeiro até se aposentar. Aposentado, como já conhecia nossa cidade, encantado com aquele infinito ilustrado pela via láctea, resolveu se mudar para esta cidade e nela realizar o velho sonho dos seus tempos de infância, talvez influenciado até mesmo pelas histórias de seus ancestrais que viajavam pelo deserto guiados pelas estrelas do céu.

Na cidade contratou o construtor Agostinho Franco para construir sua casa na Av. Júlio Lemos onde reservou nos fundos da casa um espaço perto da garagem onde guardava o seu velho Ford para ser o seu laboratório. Naquele cantinho, aquele velhinho morena com o mínimo de cabelos na cabeça e uma corcunda acentuada pelos longos anos de vida, ele preparava as lentes e espelhos com os quais veio montar um telescópio de 250mm.

Com esse aparelho caseiro ele mostrou aos estudantes locais, pela primeira vez, as famosas crateras da lua., os planetas, as nebulosas entre outros corpos celestes visíveis por telescópios.
No pátio da casa, nos dias de lua crescente ou minguante, aglomeravam vários jovens e outras pessoas da comunidade para ter contato com esse mundo que parece ficar tão perto de quem vive nas montanhas mas ao mesmo tempo invisíveis para o olho nu.
Para atrair mais as novas gerações, o velho Sigmund com o seu português cheio de sotaque chegou dar aulas no Ginásio Estadual. E, muito espirituoso ainda brincava quando um bola de papel ou um caroço de mamona batia no quadro jogadas por algum aluno desinteressado no assunto.

__Parece que uns bolinhas estão caindo por aqui?”

Na mesma época quando se cogitava construir na cidade um observatório astronômico, o primeiro da região, Dr. Ordomundi Gomes Ferreira, dono do novo loteamento da área hoje conhecida como Bairro Carioca, doou-lhe um terreno no fim da Av. Charles Berthaud com a Padre Anchieta. Ali Szabó começou efetivar o seu tão sonhado projeto de ver de mais perto as “estrelas” e o resto do infinito.
Através de uma associação que denominou CEA – Centro de Estudos de Astronomia, começou então nascer o Observatório Centauro.
Szabó apesar das limitações da idade e das deficiências físicas era um gerente dinâmico das obras. E, enquanto um pedreiro conhecido como João Gatinho trabalhava na construção das paredes e alguns meninos contratados para quebrar a pedra para fazer a brita trabalhavam, lá estava ele fiscalizar tudo. Logo as paredes subiram, o prédio ganhou a laje e depois a cúpula foi colocada. Parecia que tudo ia bem. Mas, de repente faltou verba e a obra ficou paralizada, muito embora já se podia ver de longe por quem chegava pelo trevo do Marimbeiro a imponente cúpula a refletir os raios do sol.
A notícia da construção do prédio com a sua cúpula foi registrada pelos jornais da região e até dos grandes centros. E, essa pequena cidade do interior de Minas Gerais se preparava, quem sabe, para ser uma coadjuvante na corrida espacial.
Debaixo da base, de onde sai uma coluna de sustentação de um futuro telescópio, Szabó e autoridades da época fizeram uma caixa fundamental onde em tubos de pvc foram colocados os jornais, fotos e documentos para futuras gerações, como prova dos idealizadores daquela obra de extrema importância para ciência e para o turismo.
Cambuquira passava a ser a única e privilegiada estância com um centro astronômico e seu próprio observatório.

Szabó talvez consciente que o tempo não para de passar, lutava para ver o seu projeto realizado. Dizia algumas pessoas que o conheciam mais de perto que ele tirava até recursos de sua casa para aplicar na construção daquele prédio. Por causa disso, certa vez, sem dinheiro para gasolina, como bom “cientista” adaptou ao velho carro um botijão de gás de cozinha e desta forma foi até o Rio de Janeiro.
Mas, como em outros projetos, quase nada se fez para ajudar o velho sonhador que acabou por não ver o fim da obra. Sigmund Szabó faleceu . Os documentos, telescópio e outras bens da entidade ficaram confinados por quase vinte anos num dos cômodos do almoxarifado da prefeitura e o prédio se transformou em uma habitação improvisada, apesar de inacabado, onde até porcos foram criados, para tristeza dos amantes da ciência.
Nesse período, nenhum político ou autoridade se interessou em levar aquilo para frente.

O sonho do velho judeu só voltou a ser lembrado muito tempo depois, quando a humanidade se preparava para a visita do Cometa Halley no ano de 1985. Nessa época, um grupo de pessoas, entre eles alguns alunos do astrônomo, resolveram se empenhar na conclusão das obras. Com a ajuda da comunidade e algum auxílio de órgãos públicos, o prédio foi desocupado e restaurado ficando pronto para ser usado não só para encontros do gênero como também para outras atividades. O telescópio foi remontado, apesar da falta de peças e assim outras pessoas puderam ver e outras reverem as maravilhas que o infinito nos reserva além do olho nu. O terreno foi oficialmente legalizado em nome da entidade, assegurando-lhe o destino que foi dado pelo astrônomo e pelo doador do terreno.
Desse grupo de novos sonhadores, alguns literalmente puseram a mão na massa para deixar o lugar apropriado para uso da comunidade. O cometa trouxe luz para o projeto.

Infelizmente, a cidade ainda espera a conclusão de parte das obras, como é o caso da cúpula atualmente sem condições de giro, além da aquisição e montagem de uma base com um novo telescópio capaz de servir para pesquisas astronômicas como acontecem em outros lugares do globo.
Enquanto isso, sob o comando de um jovem sonhador como o velho Szabó, a entidade teima em não morrer, apesar da continuidade do mesmo pensamento de desprezo que ainda se tem por um bem que a cidade ainda não reconhece como seu ou pelo valor que pode ter para uma cidade que ainda tem pretensões de continuar sendo um lugar turístico.
Hoje, o prédio já necessita de novas reformas, o que foi prometido pela nova direção através de um convênio com uma universidade regional, o que a "comunidade consciente" espera acontecer sob pena do sonho antigo ficar novamente adormecido.

Sigmundo Szabó, o velho judeu errante que apaixonado pelas estrelas escolheu nossa cidade para realizar o seu sonho de menino é também um dos 100 anos de Cambuquira, cuja história não pode ignorar.


Texto: Naqueles tempos árduos, mas felizes, quem escreveu este texto era uma criança que apesar da idade trabalhou quebrando pedras para as colunas e lajes do prédio que aí está. Por isso, assistiu parte dessa história, como testemunho ocular de alguns fatos.

Autor: Gilberto Lemes, Fotos: Unis/Astrobyte.


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